Depoimento sobre a tomada isralense da Palestina

29/08/2011 15:07

VICTOR WARWAR

Palestino residente no Rio de Janeiro

Meu nome é Victor Warwar. Nasci na cidade de Nazaret, de uma família que vive lá há 1.500 anos. Em 1947, eu tinha 11 anos, foi quando o regime nazista judeu se instalou na Palestina. Nazaret foi a última cidade daquela região a cair nas mãos dos terroristas.

Não sei se você se lembra de uma cidade chamada Deir Yasim, uma aldeia pacífica que fica na região da Galiléia, de 1.200 habitantes. Eles entraram naquela cidade, a Hagana, lembra deles? Comandados por um nazista que foi primeiro ministro, não me lembro o nome agora (Obs minha: Menachem Begin, outra grafia, Menahein Begin; prêmio Nobel da Paz). Sabe o que aconteceu? Não deixaram ninguém vivo, mataram a faca, sem dar um tiro: abriram a barriga das grávidas, arrancaram os fetos e penduraram a maioria da população morta nas árvores. Não sobrou ninguém. Eu e mais centenas da minha cidade fomos ver que horror, aí toda a população de Nazareth ficou apavorada.

Num dia no mês de maio de 1947 eles entraram na minha cidade disfarçados de exército do Rei Abdallah. Nós fomos dar as boas vindas, todo mundo nas ruas aplaudindo, que decepção, eram os nazistas judeus, pegaram todos com as armas nas mãos, confiscaram sem dar um tiro. Fomos vendidos, não acha? Eu acho que sim, pela Jordânia, Egito, Síria. Vê que situação, cercados por entreguistas e nazistas. Bom, o resto você sabe mais que eu, André.

Sabia que de vez em quando sumiam jovens de Nazareth, como tinha 12 anos eu não sabia porque, mas quando eu fui crescendo e vendo os árabes colaborando com eles e denunciando amigos inimigos, só porque eram fracos de espírito, eu dizia comigo mesmo: eu jamais na minha vida faria uma coisa dessas. Aí num dia de 1953 fui pego e levado para a delegacia de polícia e lá me disseram que se eu não colaborasse com eles ia pegar prisão por 20 anos que eles tinham provas contra mim. Sabe o que eles me pediram: denúncias contra qualquer coisa falsa ou verdadeira. Não quis falar e fiquei lá por quatro dias.

No quinto dia, já éramos 18 jovens. Nos vendaram, embarcamos num caminhão à noite, andamos de olhos vendados por mais ou menos duas horas. Quando o caminhão parou mandaram descer e correr numa direção, sem roupa, só de cueca porque roubaram a nossa roupa, corremos até não agüentar mais porque eles metralhavam em qualquer direçào só para apavorar. Ficamos até o dia nascer. Vimos uma aldeia bem longe, andamos até lá, era Bent Jbeil, no Líbano. Mais uma prisão. Foi até bom porque tínhamos onde comer e dormir.

Vinte dias depois fomos transferidos para um campo de refugiados perto de Saida, você já viu um? Era como viver como animais, não sei como tem gente que vive nesses campos até hoje. Eu tinha já 17 anos, queria trabalhar, não queria viver de esmola. Trabalhar no Líbano era impossível, até que um dia apareceu um homem dizendo que precisava de gente pra trabalhar numa companhia chamada Aramco, que construía um oleoduto entre o Kuwait e a Síria. Se apresentaram mais de 100 e eu fui escolhido ente os 30 que ele pretendia. Escravidão, sim, claro. Pegamos um caminhão de Beirute até a Síria depois Jordânia, enfim o deserto, para carregar os dutos, juntar um com o outro para serem soldados. Fiquei lá por 6 meses, juntei 600 Liras Libanesas, que valiam na época 200 dólares.

Fui pra Beirute, que não deu pra agüentar por mais tempo. Campo de refugiados de novo, desta vez de favor, fui procurar serviço até que um dia achei, era para ajudante de pintor de parede, com o salário de 10 Liras por semana. Um dia encontrei um Palestino que eu conhecia do tempo de escola, depois de matar a saudade perguntei o que ele fazia, ele disse que estava de viagem marcada para o Brasil. "Mas como você arranjou  dinheiro?"  Ele me disse que não precisa muito, com 100 Liras eu arrumo o laisser-passer, que é tipo o passaporte, só pra sair, não dá direito de voltar. Eu topei na hora. "E a passagem?"  Ele me disse que tinha uma entidade chamada União das Igrejas que pagava a passagem. Me pagaram a passagem e foi assim que eu vim parar aqui.

A luta foi difícil, sem dinheiro, sem saber falar o português, aliás até hoje eu não falo bem mas não me arrependo. Tenho 65 anos e 4 filhos. Vivo bem, viajo pra Palestina toda vez que tenho a oportunidade. A última foi no ano passado: levei a minha mulher e filha. Um dia, quando eu estava com elas no Jabal al Tur em Nazaret, mostrando a beleza daquele lugar, minha filha virou e me disse "Pai, se eu tivesse nascido aqui eu jamais eu sairia".  Minhas lágrimas começaram a escorrer e eu disse para ela: "Eu não saí, minha filha, eu fui deportado da minha própria terra".  Esta é uma pequena parte da minha vida, André.

Rio de Janeiro, 26 de outubro de 2000

 

 

 

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